Texto de orientação

Flutuações do Sexo[1]

por Ludmilla Féres Faria


Em 1971-72 Lacan dedica seu Seminário 19, …ou pior, ao início da construção das fórmulas da sexuação. Nesse sentido, ele dá um passo para ressaltar pontos que nos ajudam a esclarecer o que hoje se apresenta como uma Babel dos gêneros. Lacan (1971-72/2012, p. 149) toma como referência o que ele chama de “modelo suposto animal” para afirmar que “o sexo é real, não há a menor dúvida. E sua própria estrutura é o dual, o número dois. O que quer que pensemos, existem apenas dois, os homens, as mulheres”. Ele busca, a partir de concepções triviais, esclarecer que o sexo real concerne aos homens e às mulheres. E ainda acrescenta: “Há quem se obstine a acrescentar a eles os auvérnios. É um erro. No nível do real, não existem auvérnios” (LACAN, 1971-72/2012, p. 149).[2] Mas a quem Lacan se refere ao falar de auvérnios?

Segundo pesquisa feita por Antônio Di Ciaccia (2021), em 1781, durante a Batalha de Wethersfield (que precedeu a tomada da futura cidade de Nova York), o general Georges Washington se maravilhou com o fato de que os soldados franceses combatessem como homens e dançassem como mulheres. Ao que o general Jean-Baptiste Donatien de Vimeu, comandante das tropas aliadas das colônias americanas contra os ingleses, respondeu: “nem homens, nem mulheres, eles são auvérnios” (DI CIACCIA, 2021, p. 2).

Se Lacan recorre a essa anedota é para esclarecer que na vertente do real, esses nomes são apenas significantes: “Que haja desde o início o homem e a mulher é, para começar, uma questão de linguagem” (LACAN, 1971-72/2012, p. 38). Mas se essa bipolaridade de valores foi, durante muitos anos, uma forma de sustentar ou suturar “suficientemente o que concerne ao sexo”, o que determina a dualidade? E ainda, o que levou à pulverização dessas nomeações e mesmo a esse empuxo a transitar de um sexo ao outro, instituindo o que hoje é chamado como sexualidade fluída?

 

Do binarismo sexual ao unarismo do gozo

Ao demarcar que homens e mulheres são apenas dois significantes, duas representações do simbólico, que tentam recobrir algo da diferença sexual que a sexualidade introduz nos seres falantes, Lacan salienta a impossibilidade do falo em dar conta de responder ao real do gozo que impacta o falasser. Com a sexuação, ele postula que os sexos são dois, mas, mais precisamente, dois modos de gozo: o fálico, dito “lado masculino”, e o não-todo fálico, dito “lado feminino”. Segundo Brousse (2020, p. 28), “no coração do discurso analítico, esses termos ‘masculino’ e ‘feminino’, não remetem nem ao gênero, nem à biologia”.

O que está no coração do discurso analítico na sexuação não é a ordem do sentido ou do atributo, que é sempre binário – há/não há, menino/menina, macho/fêmea –, mas a inexistência da relação sexual. É sobre o fundo do “não existe relação sexual que se escreva” que Lacan organiza os dois modos do gozo a ser apreendido pelo falo. Conforme acentua, “o que o discurso analítico faz surgir, é justamente a ideia de que esse sentido é aparência […]. O sentido indica a direção na qual ele fracassa” (LACAN, 1972-73/1985, p. 106).

Além disso, se Lacan (1972-73/1985) sublinha que todo ser que fala se inscreve de um ou de outro lado, o faz para destacar que essa inscrição não está submetida aos atributos sexuais, de tal forma que na parte chamada mulher, não-toda fálica, podem se inscrever mesmo aqueles que são providos do atributo da masculinidade. Segundo Miller (2011, lição de 23/03/2011), esse Outro gozo “é ainda mais escondido sob as bravatas do gozo fálico”. Tal gozo, chamado feminino, suplementar ao primeiro e não complementar, Lacan acaba por generalizá-lo e tomá-lo como o estatuto fundamental do gozo.

Ou seja, o sexo são dois, marcados pelo Um. Dois modos de gozo enraizados na inexistência da relação sexual e na presença do “Há Um”. Miller (2011, lição de 18/05/2011) adverte: “o dois já está no nível do delírio. Não há dois, apenas o Um que se repete na iteração”. O caráter constante e resistente desse gozo dá as coordenadas singulares de cada falasser, indicando como ele toma corpo no mundo e as modalidades de sua relação com os outros, o que equivale ao princípio de que não existem normas de gozo válidas para o ser sexuado. Sob o hábito fálico que obtura a falha do sujeito, mas que é também modalidade de defesa contra esse gozo invasivo, encontra-se o real do gozo que agita o corpo.

Esse gozo, opaco ao sentido, faz barra a uma completude possível do saber sobre a sexualidade. É nesse sentido que a abordagem do sexo pela psicanálise é singular, cada analisante é único e sua relação com o gozo sexual não é determinada nem pela anatomia, nem pelo gênero, nem pelo outro social: “É determinada por um trauma” (BROUSSE, 2020, p. 13). Ao analista, cabe saber falar lalíngua de cada um: “Que ele conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua de Babel, e que conheça sua função de intérprete na discórdia das línguas” (LACAN, 1953/1998, p. 322).

Hoje, sob o aumento dos movimentos de luta contra a discriminação, encontramos uma proliferação de nomeações que buscam recobrir esse furo no real instalado pela ausência de relação sexual, sem passar pelo clássico binarismo homem/mulher. No lugar do binário, temos uma série de nomes que reenviam ao modo como o sexo é experimentado e traduzido em termos dos gêneros – binário, não-binário, agênero –, numa lista contínua que vai do mais ao menos fixo, de acordo com a autodeterminação. No que concerne ao gênero fluido, tudo é possível.

A pluralização dos Nomes-do-Pai tem como uma das consequências a pluralização das identidades. “Menino” e “menina” não são mais suficientes para responder às inquietações com o sexo, que parecem encontrar um novo destino. Mas, na discórdia das categorias sem fim, onde está o falasser? Os gêneros não dizem nada do sexo. Isso falha! E algo insiste como mal-estar.

Gil Caroz (2023), em Avatares das identificações destaca que não existe identificação tranquila, dado que a identificação é um significante tomado do campo do Outro para recobrir o furo da não relação sexual, que a qualquer momento pode ressurgir. Inclusive, esses momentos tornam-se férteis para uma demanda de tratamento analítico.

Freud constrói sua teoria da identificação num tempo em que o Outro (A) apresenta-se consistente e o pai era tomado como modelo. Apoiado nesse percurso, Lacan (1958/1960) desenvolve o grafo do desejo, no qual os significantes de identificação são extraídos do campo do Outro, num trajeto que vai de S(barrado) a I(A). Percorrido esse caminho, o Ideal do eu se apresenta como único significante de identificação, mesmo que o sujeito esteja sempre em conflito com ele. Mas, no tempo em que o Outro não existe, onde buscar os significantes e os objetos? Abre-se um abismo, que leva esses sujeitos a uma busca de significantes na série de nomes ofertados pela civilização ou, mesmo, a uma modificação no corpo.

Miller (2005, p. 11) nos indica que o que essas práticas visam é “que isso funcione, em todos os casos”. E à psicanálise não cabe uma “posição reacionária” de restabelecer o Nome-do-Pai, e tampouco uma prática passadista de um refúgio imaginário. Trata-se de inventarmos uma prática, traçada pelo último Lacan, que tenha por princípio “o isso rateia”, que se manifesta pelo impossível de se escrever, abrindo, assim, uma brecha para que o gozo, rebelde a qualquer significado de posição sexual que possa ser, se imponha em cada caso, mostrando sua insubordinação a qualquer lei estabelecida.

 

Da lettre (“carta”) à letra: o caso Elisa

Acompanhamos, com o caso Elisa, apresentado por Nathalie Crame (2022, p.95-104), os impasses de uma adolescente de 14 anos que se diz em desacordo com sua anatomia, pois rejeita o sexo que lhe foi atribuído pelo Outro em seu nascimento. Depois de receber uma carta da filha comunicando seu projeto de mudança de sexo, os pais procuram um psicólogo de uma associação de apoio e defesa dos diretos dos transgêneros. A psicóloga que a recebe é, ela mesma, transgênero. A consulta com essa psicóloga redobra a angústia materna porque, no segundo encontro com Elisa, ela já propõe medidas visando à nova designação de gênero, como, por exemplo, a medicação para suspender o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. O pai banaliza a angústia da mãe, assim como o faz com o sofrimento da filha. A mãe procura, então, uma outra analista, dizendo que quer para a filha “uma psicóloga neutra” que pudesse escutá-la sem ser atravessada pelas questões de gênero.

Logo no primeiro encontro com a analista, Elisa se mostra resistente em falar sobre o que se passa, valendo-se de significantes prêt-à-porter para justificar a sua decisão de mudança de sexo. Porém, a pergunta feita pela analista sobre o motivo de os pais desejarem que ela “visse um psi” faz com que Elisa desloque o seu problema, nomeado incialmente como uma “disforia de gênero”, termo que ela pinçara na internet, para um “mal-estar difuso”. Ela não tem gosto por nada, não consegue se posicionar com relação ao sexo e não suporta a falta de um significante que recubra todo seu ser sexuado.

O significante difuso introduz assim uma dimensão subjetiva que leva a jovem a revelar que adoraria ter um dicionário do qual pudesse se servir para encontrar a palavra justa, já que sonha com um mundo sem mal-entendidos. Falar equivaleria para ela a uma perda de controle. Ela chega a dizer então que suas questões são “impronunciáveis”. Essas questões “inomináveis fechariam a via em direção ao enigma que poderiam suscitar, eliminando assim a possibilidade de um lugar para o vazio, condição do desejo” (CRAME, 2022, p. 97), como nos esclarece Nathalie. A analista decide acompanhá-la nesse caminho, que se desdobra em outra questão: “buscar seria uma forma de não ser confrontada com seu desejo?” (CRAME, 2022, p. 98).

Aparecem, então, alguns elementos fundamentais: ela não suporta a mãe, sente-se devorada por seu olhar, o corpo da mãe a enoja, refere-se à mãe sempre como “a pobre”. A mãe é deprimida, sofre de uma fadiga extrema que a impede de trabalhar (burnout) e porta um silêncio que a devasta. A avó é descrita por Elisa como detentora do “Oscar da angústia”: “ela preenche seu desejo antes mesmo que você possa nomeá-lo”. (CRAME, 2022, p.101). Vemos, portanto, uma impossibilidade de a mãe fazer suporte ao corpo da filha, uma vez que ela mesma renunciou à sua feminilidade e ao desejo. Assim, o pertencimento a essa filiação de mulheres angustiadas e deprimidas se torna impossível para Elisa, e ela, assim, toma o pai e o irmão como modelos, tornando-se, ela mesma, como eles, um homem irônico e agressivo. Mas essa posição traz consigo, a partir de alguns sonhos, um desejo mortífero: o desejo da morte de uma mãe que não lhe entrega nada de substancial no que concerne à feminilidade e de um pai que não a obriga a nada.

No decorrer da análise, Elisa encontra um nome: “Li “. Trata-se de um nome entre Elisa e Eliel, esse último sugerido por uma amiga para o caso dela decidir se tornar um homem. Ela diz: “Li c’est bien, car je tiens au L” (“Li é bom, pois fico com o L”). Preservando o “L”, como nos esclarece Natalie Crame (2022, p.103), que conduz o caso, “Elisa se separa da fantasia agressiva que nutria diante do olhar da mãe”. O nojo em relação ao corpo de sua mãe se diferencia, assim, do nojo em relação à feminilidade e, com essa separação, ela pode integrar, do seu jeito, o “L” (em francês, o som dessa letra ressoa também como elle, “ela”). Uma brecha se abre, o vazio cavado pela letra “L“ permite uma nomeação: “Li”. É o nome do “nem–nem”nem identificada à mãe, nem identificada ao pai. “Li” é o signo de sua decisão diante do embaraço da sexuação. Natalie Crame (2022, p. 103) acrescenta ainda que “Li pode ser o nome de sua cor momentânea, pois para ela ainda não é tempo de percorrer as praias estrangeiras da feminilidade”.

Essa nomeação que Elisa inventa no seu processo analítico é definida por Miller como uma posição subjetiva, e não uma posição sexuada. Segundo Miller (2022, p. 110), para a psicanálise existem dois sexos, e não três ou quatro. Portanto, como ele esclarece, nessa “posição nem–nem, podemos inscrever todos os não-binários, com todas as variações que isto inclui”. Em outros termos, o que caracteriza certa posição flutuante, é algo que concerne ao gênero, e não ao sexo. Nesse sentido, “o que comumente chamamos de gênero, na psicanálise podemos traduzir por posição subjetiva” (MILLER, 2022, p. 110), o que, a nosso ver, difere de uma posição sexuada, de uma posição de gozo.

Miller (2022, p.123) propõe um matema para a leitura do caso: segundo ele, ali há uma perda do S1, ele fugiu, e Elisa busca encontrá-lo em todos os lugares. Se S1, significante que permite ordenar uma escolha sexuada a partir do gozo, fugiu, se não existe o Um do gozo que possa ligar sexualmente o sujeito a seu corpo, resta a Elisa se lançar na busca dos variados semblantes (S2, S3, S4…) que poderiam nomeá-la, dar a ela um lugar, conforme o matema abaixo:

Miller (2022, p.123) esclarece que, nesse matema, a pluralização dos significantes é consequência direta da inexistência de S1, “a pluralização mostra que existe alguma coisa que não existe”. Ou seja, é porque S1 não existe que os semblantes se multiplicam. Segundo ele, a pluralização da norma perturba tudo e é correlata da inexistência da norma. Assim, para os adeptos da teoria do gênero, os ditos dos sujeitos são considerados em sua literalidade e podem existir tantos quanto existem os semblantes capazes de determinar uma classe identitária.

Na “Nota passo a passo” de número 7 ao Seminário 23, Miller (2007, p. 213) esclarece “como o Um chegou ao mundo” a partir da leitura lacaniana de toda maquinaria do conjunto. Vejamos:

Primeiro: há apenas o 1, um “Um” qualquer.

Segundo: coloca-se o Um em um conjunto: {1}.

Terceiro: forma-se o conjunto de seus subconjuntos, que será um conjunto de dois elementos: {{1}, Ø}. Esse conjunto vazio “aparece presente em todo conjunto”, como um subconjunto {Ø}, um-a-mais. É a partir daí que esse vazio pode ser contado como Um: é só dessa forma – como subconjunto do conjunto – que se pode dizer que ele existe.

Assim, mesmo que o conjunto vazio tenha zero elementos, ele pode ser contado como um, enquanto conjunto vazio, “um saco vazio continua sendo um saco” (MILLER, 2007, p. 213). Miller pode, então, concluir que o conjunto vazio é o Outro como lugar de toda inscrição significante, e que sua primeira forma é o corpo, esvaziado de gozo. Ou, conforme destaca Ram Mandil (2005, p. 77): “esse vazio passa a ser contado como Um por estar envelopado por uma borda”.

Respondendo então à questão sobre a origem do significante Um, Miller afirma, na referida “Nota”, que o corpo, enquanto um a mais, é o conjunto vazio. Ou seja, trata-se de afirmar “que o corpo existe como pele, vazio, fora e ao lado de seus órgãos” (MILLER, 2007, p. 213), nomeado de “corpo-saco”.

Seguindo a hipótese adotada por Ram Mandil (2005, p.77), ao comentar o seu percurso de análise, podemos dizer que esse vazio é produto do encontro do significante com o corpo, um componente do acontecimento de corpo. Trata-se de um acontecimento como marca do impacto de lalíngua que toma a forma do vazio {Ø}, traço, marca, letra ou ainda S1. A letra é a borda mesma; ela “escreve o zero e o Um na contingência do trauma, ou seja, escreve o furo e a borda no mesmo ato” (BAYÓN, 2020, p. 93). No caso da neurose, algo desse impacto se inscreve como um furo, uma borda, produzindo um gozo localização, que se repete, por isso Lacan nomeia de modo de gozo. À essa marca, que inaugura a repetição (S1), os sujeitos se defendem com os semblantes (S2). O percurso de uma análise visa perturbar essa defesa desvelando o furo articulado à falta a ser.

Segundo Miller (2022), no caso de “L”, esse S1 fugiu, e podemos dizer que a relação entre o real e o corpo está prejudicada. Um S1 se destacou dentre os uns-entre-outros de lalíngua, mas não se enganchou em um sistema de forma a se inscrever num discurso que possibilite armar um corpo. Falta ancoragem à imagem corporal {Ø}, que possibilitaria ao sujeito se sustentar. Nesse sentido, ele afirma que Elisa se torna “um mistério para ela mesma… sua questão não é sobre o desejo do Outro, mas sobre o desejo do seu corpo” (MILLER, 2022, p.126). Desse mistério, resta-lhe a impossibilidade de assumir um nome próprio e a contínua busca de identidade, no sentido mais literal do termo. Assim, com o termo “disforia de gênero” ela realiza uma identificação imaginária bastante imediata.

Gil Caroz (2023, p. 3) propõe que:

sem fazer disso o paradigma da transição, podemos supor que essa ausência de S1 pode ser encontrada em outros casos contemporâneos. O conjunto vazio está no lugar de S1 e, assim, a série S2, S3, S4… é investida em uma busca de um significante para suprir esse vazio do significante da identificação, seja através de um novo nome, seja através da modificação do corpo.

Então, podemos dizer que a pluralização do gênero (S2, S3, S4..) é correlativa à inexistência de um sexo. Seria possível afirmar, nesses casos, que existe uma foraclusão do real do gozo, isto é, uma foraclusão do sexo?

Encontramos, ainda, em vários casos contemporâneos, formas de amarração que não são ancoradas pelo Nome-do-Pai, mas por significantes-mestres que tendem ao infinito, numa positivação do gozo como mais de gozar. Lacan nomeia de “enxame” essa pluralização S1, S1, S1. Pareceu-nos importante para o manejo do tratamento diferenciar esse matema do enxame daquele proposto por Miller (2022) para o caso de “L”. Neste último, a pluralização não está referida ao gozo, ou seja, não se trata de uma infinitização do gozo, mas de uma multiplicação dos semblantes como consequência da inexistência de um significante que possa grampear o gozo ao corpo.

Podemos concluir que o gozo e o corpo passam a ser dois termos indissociáveis ​​na clínica, o que atesta um amplo leque de soluções, que vão da neurose à psicose, para garantir ao próprio corpo um domínio, uma estabilização, uma consistência, soluções muitas vezes frágeis, porque todos os seres falantes se deparam com esse fato da estrutura, descrito por Lacan, segundo o qual o corpo “vai embora a todo momento”. Dessa forma, os nossos principais instrumentos passam a ser os conectores, ou grampos, que podem ser encontrados na prática com cada caso.

Conforme vimos, Elisa encontra, durante seu trabalho com a analista, uma nominação: “Li”, entre Elisa e Eliel. Segundo Crame (2022), esse “Li” é uma criação, um equívoco sobre o gênero que vai para além do fato de ser homem ou mulher. É fato que durante o tratamento a jovem pôde encontrar outros caminhos que não a passagem ao ato, o que nos parece demonstrar que algo se fixa nesse trânsito do mal-estar difuso ao “Li”. Mas, poderíamos dizer que algo aí se inscreveu, no sentido de armar um corpo?

 

Referências

BAYÓN, P. A. El autismo, entre lalengua y la letra. Olivos: Grama Ediciones, 2020.

BASSOLS, M.  L’une-bévue, les d’eux sexes et l’élangues. La Cause du désir n. 109, p. 54-58, mar. 2021.

BROUSSE, M-H. Mode de jouir au féminin. Paris: Navarin Éditeur, 2020.

CAROZ, G. Avatars des identifications. Argument du Colloque UFORCA 2023. 2023. Disponível AQUI. Acesso em: 09 ago. 2023.

CASTRO, H. de. Argumento: Há algo de novo nas psicoses… ainda. Disponível AQUI. Acesso em: 11 ago. 2023.

CRAME, N. Elle tient au L. In: MILLER, J.-A. (Org.). La solution trans. Paris: Navarin Éditeur, 2022, p. 95-104.

DI CIACCIA, A. de. Le réeel du sexe. Lacan Quotidiene, n. 912, fev. 2021. Disponível AQUI. Acesso em: 09 ago. 2023.

LACAN, J. O Seminário, livro 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. (Trabalho original proferido em 1972-73).

LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. (Trabalho original publicado em 1953).

LACAN, J. O Seminário, livro 19: …ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. (Trabalho original proferido em 1971-72).

LACAN, J. O Seminário, livro 6: O desejo e sua interpretação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2016. (Trabalho original proferido em 1958-60).

MANDIL, R. Trauma e acontecimento de corpo. In: Leituras do Seminário …ou pior de Jacques Lacan. Salvador: EBP, 2015, p. 73-78.

MILLER, J.-A. Uma fantasia. Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 42, p. 7-18, fev. 2005.

MILLER, J.-A. Nota passo a passo. In: LACAN, J. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, p. 199-248.

MILLER, J.-A. L’orientation lacanienne: L’Être et l’Un. Curso pronunciado no Departamento de Psicanálise da Universidade Paris VIII. Lição de 23 de março de 2011. 2011. (Inédito).

MILLER, J.-A. L’orientation lacanienne: L’Être et l’Un. Curso pronunciado no Departamento de Psicanálise da Universidade Paris VIII. Lição de 18 de maio de 2011. 2011. (Inédito).

MILLER, J.-A. Conversation à propôs du cas Elle tient ou L. In: MILLER, J.-A. (org.). La solution trans. Paris: Navarin Éditeur, 2022, p. 105-127.

 

 

[1] Texto apresentado no 3º Seminário Preparatório da 26ª Jornada EBP-MG: O que há de novo nas psicoses… ainda. Cartel: Cristiane Grillo, Helenice de Castro, Laura Rubião, Ludmilla Feres Faria (Mais-Um), Mariana Vidigal, Márcia Mezêncio, Simone Souto.

[2] Na versão em português do Seminário 19 encontra-se, na própria página 149, como nota do tradutor sobre este trecho, a seguinte afirmação: “Lacan parece ironizar a fama popular dos habitantes da região da Auvérnia, no sul da França”.

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