Eixos de Trabalho[*]
por Bernardo Micherif
Coordenador da 27ª. Jornada da EBP-MG
Atualmente, a clínica das neuroses tem sido marcada por impasses no diagnóstico e na localização da demanda que dificultam a direção do tratamento. Deparamo-nos com casos nos quais a trama edípica não se evidencia como balizadora, mas que não se configuram como psicoses. Como sustentar uma prática psicanalítica que leve em consideração as novas formas de apresentação das neuroses no século XXI? Como poderíamos localizar e tratar os neuróticos, se temos dificuldades para encontrar em muitos deles a referência ao Nome-do-pai, o consentimento com a castração, a disjunção entre o significante e a pulsão? Como conceber a neurose sem necessariamente nos referirmos ao Outro? São questões que mobilizam a investigação da 27ª Jornada da EBP-MG.
EIXO 1: Onde estão os neuróticos e de onde não saem
Histeria e neurose obsessiva se mantêm ainda como as duas principais neuroses destacadas desde Freud. Mas elas nem sempre se apresentam como antes.
No caso da neurose histérica, classicamente, a recusa do feminino a manteria cativa do corpo do Outro. Seja quando se dirigisse à Outra mulher como aquela que decifraria o enigma da feminilidade, seja quando se entregasse à devastação na parceria amorosa. No entanto, são frequentes, hoje, os casos em que o sujeito histérico parece se recusar a colocar-se como sintoma do corpo do Outro, a consentir que sua satisfação passe pelo Outro. São casos em que o corpo se apresenta como Um sozinho, imerso no império da imagem, assolado por procedimentos estéticos, dietas sem fim ou, ainda, pela repulsa às relações amorosas devido à afirmação de uma identidade d’A mulher que não admite equívocos.
Na neurose obsessiva, por sua vez, o pensamento seria a via privilegiada para regular a satisfação do corpo situando o falo como o valor por excelência ao qual todos os objetos se reduziriam. Contudo, em uma época marcada pela queda do falocentrismo, os obsessivos parecem encontrar grandes dificuldades para lidarem com a satisfação que lhes toma o corpo. Suas ruminações parecem se esvaziar ou lhes remeterem à difundida “síndrome do impostor”. A ascendência do olhar persiste para os obsessivos, mas sob novas condições. Não tanto sob o véu da interdição que os impelia e mortificava, mas muito mais incitada por uma urgência de satisfação, por uma cativação com a imagem à qual cedem sem pensar. É o que encontramos, por exemplo, na profusão em massa da pornografia e na adição ao mundo dos games. Esses modos de satisfação também podem vir acompanhados de um desinteresse sexual difuso, uma desilusão contumaz com os estudos ou com a profissão, um tédio e mau humor incorrigíveis, uma persistente escolha pelo isolamento social e um distanciamento do que poderia conferir mais iniciativa na vida.
Podemos dizer que, nas mutações atuais da histeria ou da neurose obsessiva, o que prevalece é a inibição frente ao sexual? Mesmo quando nelas encontramos uma profusão de referências ao sexo? O que se manifesta como real na vida parece lhes bloquear a existência, não permitindo avançar, mesmo quando se mostram descolado(a)s em suas escolhas, inclusive naquelas concernentes à sexualidade. Quais registros a prática psicanalítica recolhe dessa inibição?
Nesse contexto em que os referenciais simbólicos classicamente norteadores das neuroses não se evidenciam mais tão facilmente, a elucidação que Miller faz do chamado “ultimíssimo Lacan” torna-se decisiva[1]. Trata-se de um ensino marcado pela premissa da inadequação do simbólico para abordar o real, o que nos conduz à proposição de que o imaginário é a única via para essa abordagem.
Nesse “momento de concluir” de seu ensino, Lacan, citado por Miller[2], ressalta que a existência de uma hiância entre o imaginário e o real produz uma inibição, uma inibição em “‘imaginar o real’”. A hiância já se fazia presente nas concepções freudiana e lacaniana das neuroses, seja na demarcação da cisão do eu, seja na apresentação do inconsciente como não realizado, como fenda. Tratava-se de um esforço em abordar o real a partir do simbólico, enquanto o imaginário se impunha como um obstáculo nesse percurso. Porém, situar a hiância entre imaginário e real implica uma torção pela qual é o simbólico que aparece como obstáculo. Há um impedimento ao ultrapassamento dessa hiância, na medida em que o imaginário está subordinado ao simbólico. Contudo, em nosso mundo onde os referenciais simbólicos se calam e as imagens se exibem, essa hiância aparece mais exposta.
Vale, então, investigar se a inibição para se imaginar o real não se constituiria, hoje, como um “fato clínico”[3] determinante para a experiência analítica das neuroses e que precisamos elucidar. No que concerne também às neuroses, uma análise, ao franquear outro modo de experimentar a satisfação do sintoma, permitir-nos-ia sair dessa inibição? Imaginar o real implicaria manipulá-lo a partir da imagem, do visual[4], desembaraçando-se da captura da imagem pelas palavras? O que se fixa como visual nas vidas dos neuróticos, uma vez localizado e tratado em uma análise, conferiria à imagem um novo estatuto?
CITAÇÕES EIXO 1 – Freud, Lacan e Miller
FREUD, S. O ‘estranho’. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVII, 1996, pp.254-256. (Trabalho original publicado em 1919).
O fator da repetição da mesma coisa não apelará, talvez, para todos como fonte de uma sensação estranha. Daquilo que tenho observado, esse fenômeno, sujeito a determinadas condições e combinado a determinadas circunstâncias, provoca indubitavelmente uma sensação estranha, que, além do mais, evoca a sensação de desamparo experimentada em alguns estados oníricos. Pois é possível reconhecer, na mente inconsciente, a predominância de uma ‘compulsão à repetição’, procedente dos impulsos instintuais e provavelmente inerente à própria natureza dos instintos – uma compulsão poderosa o bastante para prevalecer sobre o princípio de prazer, emprestando a determinados aspectos da mente o seu caráter demoníaco, e ainda muito claramente expressa nos impulsos das crianças pequenas; uma compulsão que é responsável, também, por uma parte do rumo tomado pelas análises de pacientes neuróticos. Todas essas considerações preparam-nos para a descoberta de que o que quer que nos lembre esta íntima ‘compulsão à repetição’ é percebido como estranho.
LACAN, J. O Seminário, livro 10: A angústia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. (Trabalho original proferido em 1962-63).
Não é à toa que Freud insiste na dimensão essencial dada pelo campo da ficção a nossa experiência do unheimlich. Na vida real, este é fugidio demais. A ficção o demonstra bem melhor, chega até a produzi-lo como efeito de maneira mais estável, por ser mais bem articulada. Trata-se de uma espécie de ponto ideal, mas sumamente precioso para nós, já que esse efeito nos permite ver a função da fantasia. (Lição de 5 de dezembro de 1962 – Além da angústia de castração, p. 59)
O que quero acentuar hoje é apenas que o horrível, o suspeito, o inquietante, tudo aquilo pelo qual traduzimos para o francês, tal como nos é possível, o magistral unheimlich do alemão, apresenta-se através de claraboias. É enquadrado que se situa o campo da angústia. Assim vocês reencontram aquilo por meio do qual introduzi a discussão, ou seja, a relação da cena com o mundo. “Súbito”, “de repente” – vocês sempre encontrarão essas expressões no momento da entrada do fenômeno do unheimlich. Encontrarão sempre em sua dimensão própria a cena que se propõe, e que permite que surja aquilo que, no mundo, não pode ser dito. (Lição de 19 de dezembro de 1962 – Introdução à estrutura da angústia, p.86)
LACAN, J. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Tradução de Sérgio Laia. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. (Trabalho original proferido em 1975-76).
A inquietante estranheza, incontestavelmente, provém do imaginário, e a geometria específica, original, que é a dos nós, tem como efeito exorcizá-la. Mas que haja alguma coisa que permita exorcizá-la é certamente, em si mesma, estranho. (…)
Nesse esquema, o imaginário desdobra-se segundo o modo dos dois círculos, o que pode ser notado com um desenho. Direi que um desenho nada nota, na medida em que, ao ser planificado, fica enigmático. Portanto, indico aqui, na articulação do imaginário do corpo, alguma coisa como uma inibição específica que se caracterizaria especialmente pela inquietante estranheza. Eis onde me permitirei notar, pelo menos provisoriamente, o lugar da tal estranheza. (Lição de 16 de dezembro de 1975 – Do nó como suporte do sujeito, p. 47)
MILLER, J.-A.- Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El ultimísimo Lacan – texto estabelecido por Silvia Tendlarz e traduzido por Stéphane Verley. Buenos Aires : Paidós, 2014, p. 258 e 259:
De hecho, lo simbólico tiende a proseguirse en lo imaginario, por eso Lacan pone en continuidad el sueño, la poesía, la filosofía, el fantasma y el delirio, que son todos modos en los que se ve lo simbólico pasar a lo imaginario. De lo que se trata en el sentido del último Lacan, para captar lo que ocurre en un psicoanálisis, para captar lo que llama la tela de un psicoanálisis, es de superar la hiancia entre lo imaginario y lo real.
Es el sentido que le doy a esta proposición enigmática del seminario “El momento de concluir”, a saber, “Si hacemos una abstracción sobre el análisis, lo anulamos”. ¿Qué es hacer una abstracción sobre el análisis? Es ordenarlo según el orden simbólico. ¿Y qué se pierde en esta abstracción? Lo que se pierde es el tejido, es la tela. Con esta topología del toro en su ultimísima enseñanza, Lacan nos da “una geometría del tejido, del hilo y de la malla”.
De este modo entiendo el tiempo lógico de “El momento de concluir”, que en el fondo está animado por un aserto de certidumbre anticipada que consiste en plantear la primacía del cuerpo. En el silencio de lo real, y mientras que siempre hay que desconfiar de lo simbólico que miente, solo queda el recurso a lo imaginario, es decir, al cuerpo, es decir, al tejido.
MILLER, J.-A.- Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El ultimísimo Lacan – texto estabelecido por Silvia Tendlarz e traduzido por Stéphane Verley. Buenos Aires : Paidós, 2014, p. 194:
Justamente porque lo simbólico no es adecuado a lo real, porque lo simbólico solo está asociado a lo real por el fantasma en tanto sugestión imaginaria, hay que intentar asociar lo real y lo imaginario, intentar imaginar lo real.
Esa es, me parece, la clave de todas estas manipulaciones de Lacan en su ultimísimo enseñanza. Imaginar lo real pasa por esta extraña materialización que constituyen estas figuras, que son figuras de objetos – materialización que es, dice Lacan en un momento, “una materialización del hilo del pensamiento”. Relaciono esto con otra frase: “El análisis es un hecho social que se basa en el pensamiento”.
EIXO 2: A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário
Freud localizou o fantasma como objeto de uma construção em análise. Ou seja, o fantasma implicaria, para o analista, um recurso diferente da interpretação para que se pudesse discernir qual o axioma que se apresenta, em cada analisante, como uma formulação sobre o próprio ser. Por isso, Freud se dedicou à elucidação do que se apresentava como cena fantasmática, uma história que compõe um cenário com suporte simbólico e representações imaginárias. Lacan, por sua vez, pôde destacar, na própria cena fantasmática, o que se configura como uma tela para o real, para o irrepresentável, um anteparo com o qual cada analisante tenta defender-se da incógnita relativa a seu próprio ser. Foi essa concepção da tela que permitiu a Lacan propor-nos uma travessia do fantasma. Tratar-se-ia de ultrapassar o que se localiza, em análise, como uma identificação ao objeto do fantasma. Essa travessia revela uma verdade que tem efeitos de deflação do desejo. Contudo, ultrapassar o impasse quanto ao desejo não resolve o impasse com a satisfação do corpo. Atravessar a inércia imaginária da tela do fantasma não dissipa a reiteração de um gozo opaco.
O ultimíssimo Lacan retoma esse impasse com uma proposta que nos parece problematizar a travessia do fantasma. Como elucida Miller, o fantasma passa a ser apresentado por Lacan como um girar em círculos que não encontra saída. Ou seja, mesmo que se ultrapasse a identificação ao objeto, o fantasma continua existindo. Abordar o fantasma como um girar em círculos sem saída é o que nos aproxima do que Miller destaca, no Seminário 25 de Lacan, quando este diz que “‘o despertar é impensável’”[5]. Nesse sentido, poderíamos indagar se a noção de debilidade mental, destacada por Lacan nesse momento, elucidaria o que se passa com os neuróticos de hoje.
De todo modo, um problema se impõe: como uma análise pode, então, operar e dar provas de sua eficácia? Uma via seria os neuróticos passarem a se virar com um corpo estranho que, embora lhes seja pregnante, não encontra abrigo nem na imagem de si referente ao próprio eu, nem no que se localizou como o objeto do fantasma. A experiência dessa estranheza que ao mesmo tempo atrai e afasta pôde ser localizada por Freud como Unheimlich, o estranhamente familiar, a inquietante estranheza ou, também, como se tem traduzido, o “infamiliar”[6]. Lacan, em seu último ensino, localiza a inquietante estranheza no imaginário do corpo, na medida em que o corpo é impelido por uma satisfação que, por seu efeito perturbador, imprime uma espécie de mancha na imagem ideal do corpo próprio, do eu. O Unheimilich mostraria, então, aquilo que o fantasma recobre: é uma imagem do real na qual certo modo de gozo se fixou e que os neuróticos tentam expulsar como um corpo estranho, intrusivo, um excesso que extrapola o enquadre fantasmático, desagrega a imagem do corpo próprio e não encontra seu devido lugar quando se fala.
Como localizar a manifestação desse corpo estranho na clínica das neuroses? Poderíamos dizer que sua presença está obscurecida no que, hoje em dia se apresentam como crises de pânico, automutilações, tentativas de suicídio, transtornos alimentares, hiperatividade etc.? Como operar com essa inquietante estranheza que o fantasma fracassa em conter e que se impõe ao neurótico? Qual resposta uma análise pode conferir ao excesso que assola os corpos dos neuróticos sob a forma de urgência de satisfação?
Uma via parece se abrir com o que Miller localiza, no ultimíssimo Lacan, em um termo que pode ser elevado à dignidade de uma orientação clínica: a esfoliação. Trata-se, graças à redução ao fantasma, de esfoliar o imaginário[7], o imaginário do corpo e mesmo a imagem diante da qual os neuróticos experimentam o que lhes parece infamiliar. Trata-se de destacar, na experiência analítica, os modos pelos quais a pele necrosada que mantinha o corpo próprio capturado na imagem do objeto passa por um processo de esfoliação. Por fim, como essa esfoliação do imaginário nos auxiliaria a discernir, na clínica da neurose, o modo como operamos com o gozo do sintoma?
CITAÇÕES EIXO 2 – Lacan e Miller
LACAN, J. O Seminário, livro 6: O desejo e sua interpretação. Tradução Cláudia Berliner. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. Trad. (Trabalho original proferido em 1958-59).
O sujeito evanescente, que desvanece em certa relação com um objeto eletivo – é essa a relação que lhes designo por meio da fantasia. A fantasia tem sempre essa estrutura. Não é simplesmente relação de objeto. É algo que corta. É certa evanescência, certa síncope significante do sujeito em presença de um objeto. (Lição de 28 de janeiro de 1959 – A imagem da luva pelo avesso, pg.192)
LACAN, J. O Seminário, livro 6: O desejo e sua interpretação. Tradução Cláudia Berliner. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. Trad. (Trabalho original proferido em 1958-59).
O que foi promovido, primeiramente por Freud, no nível analítico sob o nome do Unheimlich (…) não está ligado, como alguns acreditaram, a irrupções do inconsciente, mas sim a esse tipo de desequilíbrio que se produz na fantasia quando, ultrapassando os limites a ela atribuídos de início, ela se decompõe e vem se juntar à imagem do Outro. (Lição de 15 de abril de 1959 – Sete lições sobre Hamlet, p. 344)
Em ambos os casos, o sujeito é indicado na fantasia pelo que chamamos de “fenda’, de hiância, algo que, no real, é ao mesmo tempo buraco e lampejo, na medida em que o voyeur espia por trás de sua persiana, que o exibicionista entreabre seu anteparo. Aqui, o sujeito é indicado pelo seu lugar no ato. Ele nada mais é que esse lampejo do objeto a que nos referimos e que é vivido, percebido, pelo sujeito como a abertura de uma hiância que, por sua vez, o situa como aberto. Aberto para quê? Para outro desejo que não o seu, estando este seu desejo profundamente afetado, atingido, abalado pelo que é percebido no lampejo. (Lição de 10 de junho de 1959 – A dialética do desejo no neurótico, p.453)
LACAN, J. O Seminário, livro 8: A transferência. Tradução de Dulce Duque Estrada. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. (Trabalho original proferido em 1960-61).
“Ora, é na própria medida em que algo se apresenta como revalorizando o tipo de deslizamento infinito, o elemento dissolutivo trazido ao sujeito, por si mesmo, pela fragmentação significante, que ele assume valor de objeto privilegiado, que estanca esse deslizamento infinito. Um objeto pode assumir também, com relação ao sujeito, esse valor essencial que constitui a fantasia fundamental. O próprio sujeito se reconhece ali como detido, ou, para lembrar-lhes uma noção mais familiar, fixado. Nessa função privilegiada nós o chamamos a. E é na medida em que o sujeito se identifica à fantasia fundamental que o desejo como tal assume consistência, e pode ser designado, que o desejo, também, de que se trata para nós está enraizado, por sua própria posição, na Hörigkeit; isto é, para utilizar a nossa terminologia, que ele se coloca no sujeito como desejo do Outro, grande A.” (Lição de 1º. de março de 1961 – A transferência no presente, p. 214-215)
LACAN, J. O Seminário, livro 10: A angústia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. (Trabalho original proferido em 1962-63).
“É o neurótico que, ao mesmo tempo, lhes revela a fantasia em sua estrutura, por causa do que faz com ela, mas que também, pelo que faz com ela, tapeia vocês, como tapeia todo o mundo. De fato, como lhes explicarei, o neurótico se serve de sua fantasia para fins particulares. O que acreditamos perceber como sendo, por baixo da neurose, a perversão, e de que lhes falei em outras ocasiões, é simplesmente o que lhes estou explicando, a saber, que a fantasia do neurótico está inteiramente situada no lugar do Outro. (Lição de 5 de dezembro de 1962 – Além da angústia de castração, p. 60)
É essencial apreender a natureza da realidade do espaço como espaço tridimensional, para definir a forma assumida no estágio escópico pela presença do desejo, a saber, como fantasia. Trata-se de que a função da moldura, da janela, entenda-se, que tentei definir na estrutura da fantasia não é uma metáfora. Se a moldura existe, é porque o espaço é real. (Lição de 12 de junho de 1963 – A torneira de Piaget, p. 309)
LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Tradução de M. D. Magno. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. (Trabalho original proferido em 1964).
O real suporta a fantasia, e a fantasia protege o real. (Lição de 29 de janeiro de 1964 – Do sujeito da certeza, p. 43-44)
O lugar do real, que vai do trauma a fantasia – na medida em que a fantasia nunca é mais do que a tela que dissimula algo de absolutamente primeiro, de determinante na função da repetição – aí está o que precisamos demarcar agora. Aí está, de resto, o que, para nós, explica ao mesmo tempo a ambiguidade da função do despertar e da função do real nesse despertar. (Lição de 12 de fevereiro de 1964 – Tiquê e Autômaton, p.61)
É para além da função do a que a curva se fecha, lá onde ela jamais é dita, concernente à saída da análise. A saber, depois da distinção do sujeito em relação ao a, a experiência da fantasia fundamental se torna a pulsão. O que se toma então aquele que passou pela experiência dessa relação, opaca na origem, à pulsão? Como, um sujeito que atravessou a fantasia radical, pode viver a pulsão? Isto é o mais além da análise, e jamais foi abordado. Isto só é, até o presente, abordável, no nível do analista, na medida em que seria exigido dele ter precisamente atravessado em sua totalidade o ciclo da experiência analítica. (Lição de 24 de junho de 1964 – Em ti mais do que tu, p.258)
LACAN, J. (1966-67) El Seminario, libro 14. La lógica del fantasma. Texto establecido por Jacques Alain-Miller. Traducción de Gerardo Arenas. Buenos Aires: Ediciones Paidós,2023.
Entonces, ¿cómo definiremos realidad? Como lo que recién llamé lo listo para usar el fantasma, es decir, lo que constituye su orden. Veremos, pues, que la realidad, toda la realidad humana, no es otra cosa que montaje de lo simbólico y de lo imaginario. El deseo, que está en el centro de este aparato, de este marco que hemos llamado realidad, es también, según lo que articulé desde siempre, lo que cubre aquello que en sentido estricto es lo real. Es importante distinguir entre lo real y la realidad humana. Lo real nunca es más do que vislumbrado, vislumbrado cuando vacila la máscara – la del fantasma. (Aula de 16 de novembro de 1966 – Promesa de una lógica, p. 17)
Otro punto -por ahora, leo a Freud, lo repito-: el fantasma tiene el privilegio de ser más inconfesable que cualquier otra cosa. Cabría detenerse largamente en el término inconfesable, que incluye muchas cosas; para permanecer en el nivel de abordaje impreciso del año 1919 en que esto fue escrito, digamos que el fantasma pende del sentimiento de culpa como una cereza del pedúnculo, y que Freud se detiene allí para relacionarlo con lo que llama una cicatriz: la del complejo de Edipo. Esto nos inclina a decir que, por el modo en que surgió en nuestra experiencia, el fantasma participa del aspecto experimental del cuerpo extraño. (Aula de 14 de junho de 1967 – El sadico y el masoquiata, p. 325)
La distancia entre la función del fantasma – tal como lo imaginamos nosotros, pobres neuróticos- en el nivel llamado perverso, y su función en el registro neurótico, es exactamente – diré- la que va del dormitorio al baño.
Termino en esto para hacer clínica. ¿Acaso hay dormitorios, aun cuando no hay acto sexual? Aparte del de Ulises, donde la cama es un tronco enraizado en el suelo, esto deja serias dudas sobre el tema de los dormitorios, especialmente en nuestra época en que todas las cosas se balancean en la pared. Pero, en fin, es un lugar que, al menos teóricamente, existe. Pese a todo, hay una distancia entre el dormitorio y el baño. Presten atención, que todo lo que sucede con el neurótico pasa esencialmente en el baño o en la antecámara -es lo mismo. (…)
Si quieren precisiones, la fobia puede tener lugar en el armario de la ropa, o en el pasillo, en la cocina. La histeria tiene lugar en el parlatorio- el parlatorio de los conventos de monjas, por supuesto. La obsesión, en el cagadero (…)
Todo esto nos lleva a la puerta que los invitaré a franquear (…) la de un dormitorio en el que no pasa nada, salvo que el acto sexual se presenta en él como forclusión en sentido estricto: verwerfung. Este dormitorio es lo que se suele llamar el consultorio del analista.
(Aula de 21 de junho de 1967 – El axioma del fantasma, p. 351)
LACAN, J. O Seminário, livro 19: … ou pior. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. Trad. (Trabalho original proferido em 1971-72).
Vocês só gozam com suas fantasias. É isso que daria peso ao idealismo, que ninguém, por outro lado, apesar de ele ser incontestável, leva a sério. O importante é que suas fantasias gozam de vocês. (Lição de 8 de março de 1972 – O Outro: da fala à sexualidade, p. 110)
Trata-se, na psicanálise, de elevar a impotência (aquela que dá conta da fantasia) à impossibilidade lógica (aquela que encarna o real). (Anexos. Resumos do Seminário 19. Publicado no Anuário da Escola Prática de Estudos Superiores, 1972-1973, p.235)
MILLER, J.-A. Silet – Os paradoxos da pulsão, de Freud a Lacan. Trad.: Celso Rennó Lima. Texto estabelecido por Jésus Santiago e Angelina Harari. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005, p. 251
“Temos acentuado tudo o que é da ordem simbólica na fantasia. Mas, ao mesmo tempo, não podemos eliminar-lhe o componente imaginário: uma fantasia sem imagem não tem, para nós, significação.”
MILLER, J. -A. Del síntoma al fantasma. Y retorno. Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. 1ª ed. – Buenos Aires: Paidós, 2018, p. 16
“Si Lacan habla de “atravesamiento del fantasma”, por el contrario, y no de “levantamiento del fantasma”, es porque no se trata de ninguna manera de su desaparición. Se trata de entrever, en el primerísimo comienzo, lo que hay detrás. Lo divertido es que detrás del fantasma no hay nada. El final de análisis consiste precisamente en ir a dar una vuelta por el lado de la nada.”
MILLER, J. -A. Del Síntoma al fantasma. Y retorno. Los cursos psicoanalíticos de Jacques Alain Miller. 1ª ed. – Buenos Aires: Paidós, 2018, p.28
“El fantasma tiene una estructura temporal estrictamente puntual, absolutamente elemental. El tiempo propio del fantasma es el instante. Por supuesto que puede estar preparado con uno pequeña historia, pero fundamentalmente el corazón del fantasma es un instante, podemos decir incluso ‘un instante de ver’, para respetar lo que el fantasma le debe a la dimensión imaginaria.”
MILLER, J. -A. Del síntoma al fantasma. Y retorno. Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. 1ª ed. – Buenos Aires: Paidós, 2018, p. 99.
“El fantasma no suscita la demanda. El fantasma en el sujeto suscita su propio asombro. Incluso el sujeto se siente extraño especialmente en relación con su fantasma. No se siente totalmente extraño a partir de su síntoma, porque hace nacer de él una demanda al Otro, y esa demanda nos humaniza. Por el contrario, a nivel del fantasma el sujeto es más susceptible de sentirse inhumano. Está persuadido de que si se tuviera verdaderamente una idea de su fantasma, solo merecería el estatuto de desecho”.
MILLER, J.-A – Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El lugar y el lazo. Tradução de Gerardo Arenas. Buenos Aires: Paidós, 2020, p. 115.
“La transgresión del goce y el atravesamiento del fantasma son homólogos. La misma conceptualización sostiene la noción de que hay que atravesar una barrera para tener acceso al goce y la noción de que en el análisis hay que ir más allá del síntoma para tocar y atravesar el fantasma. Son términos que se corresponden mutuamente y con la noción de un hasta el final”.
MILLER, J.-A – Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El lugar y el lazo. Tradução de Gerardo Arenas. Buenos Aires: Paidós, 2020 p. 153.
“Cuando nos situamos en la perspectiva de lo simbólico, es como si el fantasma fuese algo real. Pero como todo el esfuerzo de la última enseñanza de Lacan consiste justamente en desprenderse de esta perspectiva de lo simbólico, bien podría ser que ese objeto a atribuido a lo real no sea más que un semblante, y un semblante que no llega más lejos que el ser. En este punto hay que distinguir seriamente entre el ser y lo real, cuya diferencia vemos transitar por el seminario Aún.”
MILLER, J.-A – Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El lugar y el lazo. Tradução de Gerardo Arenas. Buenos Aires: Paidós, 2020 p. 347.
“La expresión “atravesamiento del fantasma” retorna la expresión “atravesamiento del plano de la identificación” que ya figura en el seminario Los cuatro conceptos fundamentales del psicoanálisis, y significa finalmente la institución de una no relación entre $ y a y el surgimiento de un real.”
MILLER, J.-A.-Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El Otro que no existe y sus comités de ética (con colaboración de Éric Laurent). Traducido por: Nora González. 1a ed., Buenos Aires: Paidós, 2005, p. 461.
Después del atravesamiento del fantasma, surge de la pulsión el síntoma como algo para manipular o incluso para identificarse o arreglárselas con él. Por un lado, lo que hay que atravesar y por otro, lo que hay que manipular. Por un lado el velo para levantar y por otro, lo que queda y con lo que hay que arreglárselas.
MILLER, J.-A.- Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El ultimísimo Lacan – texto estabelecido por Silvia Tendlarz e traduzido por Stéphane Verley. Buenos Aires : Paidós, 2014, p.193
Entendemos con eso lo que Lacan intenta con la topología. Intenta salir del fantasma geométrico. A este intento no le encontré mejor ilustración que esta frase que suelta al pasar en la última clase de El momento de concluir: “No hay nada más difícil que imaginar lo real”.
MILLER, J.-A.- Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El ultimísimo Lacan – texto estabelecido por Silvia Tendlarz e traduzido por Stéphane Verley. Buenos Aires : Paidós, 2014 p.274.
La cuarta tesis es la primacía de lo imaginario. Primero, es la primacía de lo imaginario de lo simbólico, que nos da lo razonable o la geometría, es decir, en definitiva, un fantasma que Lacan llama lo simbólicamente imaginario. Lo imaginario está incluido en lo simbólico y hace deslizar muy naturalmente nuestras elucubraciones hacia el fantasma, la poesía y el delirio.
Lacan opone a este simbólicamente imaginario -ya lo dije – el imaginar lo real, es decir, lo que podríamos traducir, aunque el término no esté en el seminario, lo realmente imaginario. Allí, lo imaginario está incluido en lo real.
MILLER, J.-A.- Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: El ultimísimo Lacan – texto estabelecido por Silvia Tendlarz e traduzido por Stéphane Verley. Buenos Aires : Paidós, 2014 p. 275
Lacan dice lo siguiente: “Para que lo imaginario se exfolie, alcanza con reducirlo al fantasma”. Saben lo que significa exfoliar. Exfoliar una planta es hacer caer sus hojas.
Miller, J.-A – Extimidad – Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Texto establecido por Graciela Brodsky. Traducción y transcripción: Nora A. Gonzalez. Buenos Aires: Paidós, 2011, p. 147:
(…) pero también en este camino de atravesamíento, por cuanto surge de la vacilación, hasta del desvanecimiento de lo simbólico, se deja entrever lo real que el fantasma cubría.
Miller, J.-A – Extimidad – Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Texto establecido por Graciela Brodsky. Traducción y transcripción: Nora A. Gonzalez. Buenos Aires: Paidós, 2011, p. 260:
Ahora debemos distinguir de esta escritura el $ ◇ a propiamente dicho, donde a ya no es la imagen del semejante sino, para utilizar la expresión de Lacan, “apéndice del cuerpo”
De todas maneras, la fórmula del fantasma vincula al sujeto como efecto del significante con un elemento que en todos los casos, ya sea la forma total del cuerpo del Otro o un apéndice del cuerpo, le es heterogéneo porque es imaginario. De aquí en más, en toda la enseñanza de Lacan la problemática del objeto a seguirá siendo esta: ¿cómo un término que depende del significante puede articularse con un elemento que le es heterogéneo?
MILLER, J.-A.: Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller: la experiencia de lo real en la cura psicoanalítica. – texto establecido por Graciela Brodsky e transcrito por Nora A. González. 1a ed. 4a. reimp., Buenos Aires: Paidós, 2011, p. 255
“(…) el atravesamiento del fantasma finalmente es una variante del paradigma de la transgresión, es la transgresión montada en el análisis como fin del análisis, y con la invitación de ir más allá, en la dirección del vacío, de la destitución del sujeto, de la caída del sujeto supuesto saber y de la asunción del ser de goce.”
MILLER, J.-A.: La fuga del sentido. Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Tradução de Silvia Naldini e estabelecimento por Silvia Elena Tendlarz. 1a.ed., Buenos Aires Paidós, 2012, p 298.
La fórmula que Lacan propone del fantasma ($ ◇ a) estaba hecha para indicar que lo que colma la falta en ser simbólica del sujeto es una imagen, algo imaginario. Ese colmar mismo es el fantasma. Evidentemente, Lacan ya había hecho de esta imagen que colma una imagen significante, pero eso continúa siendo una imagen. Entonces, ¿qué es lo que resta como imaginario que no puede ser evacuado de la estructura del sujeto? Si es un resto irreductible, entonces es un real. Por otra parte, esta proposición según la cual lo imaginario es un real la encuentran explícitamente en el seminario “R.S.I.”.
MILLER, J.-A.: La fuga del sentido. Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Tradução de Silvia Naldini e estabelecimento por Silvia Elena Tendlarz. 1a.ed., Buenos Aires Paidós, 2012, p. 313
Por lo tanto, lo que permanece constante en Lacan es esta noción de un sistema con resto. Pero -lo dije la última vez al pasar- ¿qué es ese resto? En un primer tiempo, Lacan dice, conforme a esta articulación ternaria, que es un resto imaginario. Es un elemento imaginario que no llega a ser simbolizado y que encontramos en la fijeza del fantasma.
Lacan hace del fantasma una formación imaginaria. Luego, en la medida en que es un resultado imposible de eliminar, decide llamarlo real, llamar real al resto imposible de eliminar. Sorprende a su auditorio después de su Seminario 11, en el “Seminario 13”, creo, diciendo que el objeto a es real. Sorprende a todo el mundo porque hasta ese momento se empeñaba en mostrar el carácter imaginario del objeto a, y es como si su rasgo de ser imposible de eliminar, de resistir a la operación significante, descubriera una fase más profunda de su estatuto, su estatuto real.
EIXO 3: Quando tudo é normal, o que se analisa?
O complexo de Édipo foi concebido por Freud como fundamento da realidade nas neuroses. Sua tradução, por Lacan, em termos de metáfora paterna, demarcou – sem excluir a psicopatologia da vida cotidiana – as fronteiras do que pode ser tomado como normalidade. Concebia-se como normal o que se mantinha nos trilhos da referência ao pai. Porém, o declínio da função paterna, experimentado como um acontecimento civilizatório, tem incidências diretas sobre a norma edípica, diluindo os limites que estabeleciam o que é conveniente ser e fazer.
Uma palavra de ordem se insurgiu, já há algumas décadas, e compõe, hoje, a ordem do dia: é proibido proibir. Vivemos as consequências de que, em nossa civilização, uma interdição soa como autoritarismo. Nessa perspectiva, tudo é normal, todo modo de satisfação deve ser permitido. Trata-se da insistência de um normal que parece extrapolar a interdição paterna. Um normal para o qual não se localiza um ponto de referência além da própria satisfação. Um normal que não só promete se abrir a toda forma de existência, mas que incita o gozo a se exibir sem limites e sem se deixar afetar pelos equívocos do inconsciente. Podemos indagar se esse normal se pauta no que Lacan nos ensinou a escutar na lei do supereu, que paradoxalmente ordena: “Goza!”.
Não é incomum que, hoje, sejamos procurados por neuróticos que não trazem nenhum mal-estar enredado à trama familiar, que não expõem qualquer questão sobre o que fazer com o furo que lhes apresenta o real do sexo ou mesmo que não sabem o que dizer sobre sua demanda de se tratar e sobre o que lhes faz sofrer. Muitas vezes, os encontros periódicos com o analista se compõem como narrativas de fatos cotidianos e repetitivos, amostras do que se acessou em ambientes virtuais e uma dedicação persistente às obrigações às quais os analisantes se sentem normalmente impelidos. Também não é raro quem vai à análise para expor seu silêncio, para mostrar o que o emudece sem, no entanto, conseguir efetivamente dizer a que veio.
Nessa narração que não comporta lacuna, nesse silêncio das perturbações do inconsciente, nessa proliferação de conteúdos virtuais de texto ou de imagens, seria a voz do supereu que atua como força motriz? Seria essa “‘força demoníaca’”, como ainda diz Lacan no Seminário 25 citado por Miller[8], que ainda se impõe no campo devastado do Outro e se reduziria, sobretudo hoje, a uma satisfação muito mais anônima e silenciosa? Afinal, atualmente, testemunhamos, muitas vezes, uma análise se enredar em um dar voltas sem cessar, no qual, mesmo que os analisantes digam não ter o que dizer, algo os impele a mostrar o que os captura. Nessa incitação a que algo se exiba, estaríamos lidando com a incidência do supereu?
Miller extrai do Seminário 25 uma proposta que nos parece bastante oportuna para a clínica de nossos tempos: a transferência coloca em jogo um “suposto saber como operar”[9]. Essa operação implica um saber fazer com a imagem: onde a palavra se cala, o analista poderá apontar com o dedo, mostrar o equívoco, o que deforma e faz furos na imagem. Trata-se, então, de manipular o imaginário que se exibe desprendido da fala.
Nessa operação que visa abordar o real a partir da imagem, poderíamos ainda sustentar o sonho como uma via régia? Em seu Seminário 11, Lacan havia isolado, em A interpretação dos sonhos, um sonho que, segundo ele, distinguia-se de todos os outros relatados ali por Freud. Lacan ressalta deste sonho a voz que levou ao despertar: “Pai, não vês que estou queimando?”. Mas em vez de abordar essa frase apenas como uma construção significante, ele nos parece dar-lhe o estatuto de uma imagem que incide sobre o real. Teríamos aí uma pista do que, no ultimíssimo Lacan, designa-se como imaginar o real? Seria esse um exemplo de um sonho que vale menos pelo que se lê e mais pelo que se mostra? Como podemos distinguir, nos casos de neuroses, o sonho como via para abordar o real através da imagem? E, mais do que isso, o sonho poderia indicar como o analista opera com a manipulação da imagem?
Essa operação sobre a imagem parece convidar-nos não só a uma revisão do lugar do analista, mas também de seu ato. Nessa perspectiva, o ato analítico não seria apenas um corte que incide sobre a articulação significante, mas um corte que incide sobre a imagem do corpo, que impacta o corpo e o faz experimentar de modo inédito a satisfação. Não é sem razão, portanto, que Lacan aspirou elevar a psicanálise à dignidade da cirurgia. O que podemos testemunhar, hoje, da operação desse analista-cirurgião, quando tudo parece normal e, ainda assim, os neuróticos procuram-nos para fazer uma análise?
CITAÇÕES EIXO 3 – Freud, Lacan e Miller
Citações em FREUD: SUPEREU
FREUD, S. O ego e o ID. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIX, 1996, p. 49. (Trabalho original publicado em 1923).
“O superego, contudo, não é simplesmente um resíduo das primitivas escolhas objetais do id; ele também representa uma formação reativa enérgica contra essas escolhas. A sua relação com o ego não se exaure com o preceito: ‘Você deveria ser assim (como o seu pai)’. Ela também compreende a proibição: ‘Você não pode ser assim (como o seu pai), isto é, você não pode fazer tudo o que ele faz; certas coisas são prerrogativas dele.
O superego retém o caráter do pai, enquanto que quanto mais poderoso o complexo de Édipo e mais rapidamente sucumbir à repressão (sob a influência da autoridade do ensino religioso, da educação escolar e da leitura), mais severa será posteriormente a dominação do superego sobre o ego, sob a forma de consciência (conscience) ou, talvez, de um sentimento inconsciente de culpa”
FREUD, S. O problema econômico do masoquismo. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIX, 1996, os. 208-09. (Trabalho original publicado em 1924).
“O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas — a sua força, sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse aumentada. O superego — a consciência em ação no ego — pode então tornar-se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo.”
FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XX, 1996, p. 139. (Trabalho original publicado em 1925).
“Podemos ou simplesmente aceitar como um fato que na neurose obsessiva surge um superego severo dessa espécie, ou considerar a regressão da libido como a característica fundamental da afecção e tentar relacionar a severidade do superego com isto. E realmente o superego, originando-se do id, não pode dissociar-se da regressão e desfusão do instinto que ali se verificaram. Não podemos surpreender-nos se ele se tornar mais áspero, mais rude e mais atormentador do que onde o desenvolvimento tem sido normal.”
Citações em Lacan : SUPEREU
LACAN, J. O Seminário, Livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Tradução: Betty Milan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986, p.123. (Trabalho original proferido em 1953-1954).
Serei certamente levado a examinar a questão do supereu. Direi logo que, se não nos limitamos a um uso cego, mítico, desse termo, a palavra-chave, ídolo, o supereu se situa essencialmente no plano simbólico da palavra, à diferença do ideal do eu. O supereu é um imperativo. Como indicam o bom senso e o uso que se faz dele, é coerente com o registro e com a noção da lei, quer dizer, com o conjunto do sistema da linguagem, na medida em que define a situação do homem enquanto tal, quer dizer, enquanto não somente individuo biológico. Por outro lado, é preciso acentuar também, e ao contrário, o seu caráter insensato, cego, de puro imperativo, de simples tirania.
Em que direção podemos fazer a síntese dessas noções? o supereu tem uma relação com a lei, e ao mesmo tempo, é uma lei insensata, que chega até a ser o desconhecimento da lei.
E sempre assim que vemos agir o supereu no neurótico. Não será porque a moral do neurótico é uma moral insensata, destrutiva, puramente oprimente, quase sempre ilegal, que foi preciso elaborar na análise a função do supereu? o supereu é a um só tempo, a lei e a sua destruição. Nisso, ele é a palavra mesma, o comando da lei, na medida em que dela não resta mais do que a raiz. A lei se reduz inteiramente a alguma coisa que não se pode nem mesmo exprimir, como o Tu deves, que é uma palavra privada de todos os: seus sentidos. É nesse sentido que o supereu acaba por se identificar aquilo que há somente de mais devastador, de mais fascinante, nas experiências primitivas do sujeito. Acaba por se identificar ao que chamo figura feroz, as figuras que podemos ligar aos traumatismos primitivos, sejam eles quais forem, que a criança sofreu. “
LACAN, J. O Seminário, Livro 2: O Eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Tradução: Marie Christine Lasnik Penot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p.229. (Trabalho original proferido em 1954-1955).
“A tradição e a linguagem diversificam a referência do sujeito. Um enunciado discordante, ignorado na lei, um enunciado promovido ao primeiro plano por um evento traumático, que reduz a lei a uma ponta cujo caráter e inadmissível, integrável – eis o que é essa instância cega, repetitiva, que definimos habitualmente pelo termo supereu.“
LACAN, J. O Seminário, livro 4: A relação de objeto. Tradução: Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Zahar, 1995, p. 216. (Trabalho original proferido em 1956-57).
Este supereu tirânico, fundamentalmente paradoxal e contingente, representa por si só, mesmo entre os não neuróticos, o significante que marca, imprime, impõe o selo no homem de sua relação ao significante. Há no homem um significante que marca sua relação ao significante, e a isso se chama o supereu.”
LACAN, J. O Seminário, livro 5: As formações do Inconsciente. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 167. (Trabalho original proferido em 1957-58).
“A ideia da neurose sem Édipo é correlata do conjunto das perguntas formuladas sobre o que se denominou de supereu materno. No momento em que foi levantada a questão da neurose sem Édipo, Freud já havia formulado que o supereu era de origem paterna. Houve então quem se interrogasse: será que o supereu é mesmo unicamente de origem paterna? Não haverá na neurose, por trás do supereu paterno, um supereu materno ainda mais exigente, mais opressivo, mais devastador, mais insistente?”
LACAN, J. O Seminário, livro 6: O desejo e sua interpretação. Tradução de Claudia Berliner. Rio de Janeiro: Zahar, 2016, p. 415. (Trabalho original proferido em 1958-59).
“Comumente, o sujeito produz a voz. Digo mais, a função da voz sempre faz intervir no discurso o peso do sujeito, seu peso real. A voz grossa, por exemplo, a princípio entra em jogo na formação da instância do supereu, onde ela representa a instância de um Outro se manifestando como real.”
LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 250). (Trabalho originalmente proferido em 1968-1969).
“É rigorosamente impossível conceber o que se passa com a função do supereu, se não compreendermos – o que não é tudo, mas é um dos móveis – o que acontece com a função do objeto a efetivada pela voz como suporte da articulação significante, a voz pura, tal como é ou não instaurada no lugar do Outro, de uma forma que é ou não é perversa. Um certo masoquismo moral só pode basear-se nesse aguilhão da incidência da voz do Outro, não no ouvido do sujeito, mas no nível do Outro que ele instaura como sendo completado pela voz.”
Lacan, J. O Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p. 166. (Trabalho originalmente proferido em 1971)
“Qual é a essência do supereu? É com isso que poderei terminar, dando-lhes na palma da mão alguma coisa que vocês possam tentar manipular sozinhos. Qual é a prescrição do supereu? Ela se origina precisamente nesse Pai original mais do que mítico, nesse apelo como tal ao gozo puro, isto é, à não castração. Com efeito, que diz esse pai no declínio do Édipo? Ele diz o que o supereu diz. Não é à toa que ainda não o abordei realmente até agora. O que o supereu diz é: Goza!
LACAN, J. O Seminário, livro 20: mais, ainda. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p.11. (Trabalho originalmente proferido em 1972-1973)
“O que é o gozo? Aqui ele se reduz a ser apenas uma instância negativa. O gozo é aquilo que não serve para nada. Aí eu aponto a reserva que implica o campo do direito-ao-gozo. O direito não é o dever. Nada força ninguém a gozar, senão o superego. O superego é o imperativo do gozo – Goza!
É aí mesmo que se acha o ponto giratório que o discurso analítico interroga.”
LACAN, J. (1947). O aturdido In: Outros Escritos, p. 469.
“Tu me satisfizeste, thomenzinho [petithomme]. Compreendeste, e isso é o que era preciso. Vai, de aturdito não há tanto que não te volte depois de meio-di(t)a [l’apres midit]. Graças à mão que te responderá, por a chamares de Antígona, a mesma que pode dilacerar-te, por disso eu esfinja meu nãotoda, saberás ao anoitecer igualar-te a Tirésias e, como ele, por teres bancado o Outro, adivinhar o que eu te disse.”
É essa a super-meutade [surmoitié] que não se supereu-iza [surmoite] tão facilmente quanto a consciência universal.”
Citações em Miller sobre os termos SUPEREU, TEMPO e CORTE, relacionados ao tema do Eixo 3: “Quando tudo é normal, o que se analisa, hoje?”, da XXVII Jornada da EBP-MG.
MILLER, J.A. Los cursos psicoanalíticos de Jacques Alain Miller. Texto estabelecido por TENDLARS, S. E. Del sintoma al fantasma. Y retorno. Buenos Aires: Paidós, 2018, p. 120
“Lo peor es que no solo el Otro desea sino que fundamentalmente -cómo podría ser de otro modo- desea tu desdicha. Está oculto en todas esas bellas historias que se cuentan, y Lacan lo evoca en su texto sobre el fantasma: el Ser supremo en maldad. En este sentido, no se trata precisamente de una pastoral. El atravesamiento del fantasma es el momento en que se percibe este Ser supremo en maldad, que es otro nombre del superyó”.
MILLER, J.A. Los cursos psicoanalíticos de Jacques Alain Miller. El Banquete de los analistas. Texto estabelecido por BRODSKY, G. Buenos Aires: Paidós, 2000, p. 303-304
“¿Cómo se estructuran según Freud la vía de la cultura y la del psicoanálisis? La primera, por la ética del superyó (es, si se quiere, un intento de terapéutica dentro de la cultura), cuyo principio podemos traducir como ‘ceder en su deseo’, que es lo que se transmite al sujeto para que pueda vivir en la civilización. Freud nos muestra que en el fondo esta terapéutica de ceder en su deseo y, por ejemplo, acomodarse al grupo, esta terapéutica del malestar, es de hecho el resorte mismo del malestar. Traducimos como ‘ceder en su deseo’ lo que Freud llamaba exactamente Triebverzicht, que es ‘la renuncia al goce de la pulsión’, que lejos de calmar las exigencias del superyó, no hace más que reforzarlas. En otras palabras, Freud aísla una instancia del superyó que se ejerce sobre las pulsiones y las lleva a renunciar a sus exigencias de satisfacción, a separarse de un goce de más, suplementario -que Lacan llamaba plus de gozar y que escribimos a-, a producirlo en el sentido de ‘separarse de’. Ahora bien, el superyó se apropia de inmediato de este goce suplementario, se alimenta de él. No hay ningún obstáculo: el goce al que se renuncia le sirve al superyó para crecer más: del circuito del superyó No hay un obstáculo que le impida a este goce separado volver al superyó. Se entiende, en efecto, cuán fundada es la analogía que Lacan planteó entre este goce excedente y lo que Karl Marx llamaba plusvalía. Recuerden que su principio de análisis de las formaciones sociales era investigar quién se apropia la plusvalía.”
MILLER, J.A. In: El banquete de los analistas, p. 304
“¿Cómo se traduce clínicamente, aunque no es mi objeto central hoy, este circuito del superyó? ¿Cómo se traduce la apropiación de este goce suplementario por el superyó? Se lo puede traducir por la fórmula que calca casi enteramente las fórmulas freudianas de «Inhibición, síntoma y angustia”: gozar de la renuncia al goce. Esta fórmula resulta muy valiosa en el análisis del síntoma, considerado en primera instancia como la encamación de una renuncia al goce (piensen, por ejemplo, en el síntoma de inhibición, con el que Freud empieza su libro). Luego, descubrimos el goce que conlleva el síntoma que parece encamar la renuncia al goce.”
MILLER, J.A. Silet. Os paradoxos da pulsão, de Freud a Lacan. Tradução: Lima, C.R. Texto estabelecido por HARARI, A.; SANTIAGO,J. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p. 108.
“Quanto ao supereu, repete-se sempre a frase “figura obscena e
feroz”, que parece totalmente adequada à descrição freudiana. Aqui, o termo importante, porém, é “figura”, que o faz pertencer ao registro do imaginário. E
Lacan relaciona o aparecimento dessa figura, que é a verdadeira significação do
supereu, ao fato de haver, na cadeia simbólica, um elo rompido: uma falha do simbólico. Eis a mola. E nesse intervalo aparece, vinda do imaginário, a figura obscena e feroz.”
MILLER, J.A. Silet. Os paradaoxos da pulsão, de Freud a Lacan. Tradução: Lima, C.R. Texto estabelecido por HARARI, A.; SANTIAGO,J. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p. 16
“A escansão temporal: “É o bastante, volte na próxima vez”, é, no fundo, o próprio corte da interpretação, no sentido de Lacan.”
MILLER, J.A. Sutilezas analíticas. Los curos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Texto establecido por TENDLARZ, S. Buenos Aires: Paidós, p.40.
“El acto analítico es como tal un corte, es practicar un corte en el discurso, es
amputado de cualquier censura, al menos virtualmente.”
MILLER, J.A. Sutilezas analíticas. Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Texto establecido por TENDLARZ, S. Buenos Aires: Paidós, p.263
“La palabra corte -que Lacan valídará también para la topología,
donde los cortes con tijeras tienen efectos de transformación sobre la
estructura de los objetos matemáticos- no deja de ser completamente
equívoca. Y es que el corte propiamente lingüístico introduce lo negativo, el menos, mientras que los cortes que podemos querer designar
a nivel libidinal no anulan la positividad de conjunto. Por lo tanto, el
término corte es … un amboceptor.”
MILLER, J.A. Todo el mundo es loco. Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Texto estabelecido por Silvia Elena Tendlarz. 1ª Ed. Buenos Aires: Paidós, 2015, p. 216.
“Me parecen que si la estructura adecuada al psicoanálisis líquido es el nudo, como lo indicaba Lacan, entonces hay que relativizar, o incluso desechar, el
desciframiento y preferir el corte del redondel de cuerda, ya que, si
el psicoanálisis nodal de Lacan pone en escena la acción de tirar para
mostrar sus aspectos, implica también otra acción, que evoqué el año
pasado, una acción quirúrgica: cortar.”
MILLER, J.A. Lacan elucidado: Palestras no Brasil.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p.54.
“A identificação narcísica deixa o sujeito em uma beatitude sem medida, mais oferecido que nunca a essa figura obscena e feroz que o analista chama o supereu, e que é preciso compreender como a falha aberta no imaginário por qualquer rejeição (Verweifung) dos mandamentos da palavra”.
MILLER, J.A. Lacan Elucidado: Palestras no Brasil.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p.118.
“Na seqüência do complexo de Édipo, há certa normalização do desejo e imagina-se ser essa a função do supereu; Freud, entretanto, dá-lhe um outro valor relacionando-o com a pulsão, não unicamente para lhe opor barreiras às exigências, mas a cada renúncia à satisfação pulsional, é reforçada a severidade do supereu, que é guloso. Ele diz isso em O mal-estar da civilização. É um paradoxo a frase de Freud. Se o supereu é a interdição do gozo, o aparente paradoxo de Lacan, que consiste em dizer que o supereu impõe o gozo, elimina o paradoxo de Freud. O supereu vai contra o desejo, mas porque o desejo vai contra o gozo, sendo uma defesa contra este último. O gozo não é desejável. É uma das verdades acumuladas da experiência analítica, desconhecidas porque as escondemos colocando-as no baú”.
MILLER. J.A. Perspectivas dos Escritos e Outros escritos de Lacan. Entre Desejo e Gozo. Tradução: RIBEIRO, V.A. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.34.
“O ato analítico, como sabemos, é distinto de qualquer ação, não consiste em um fazer. O ato analítico consiste em autorizar o fazer do sujeito. É, como tal, um corte, é praticar um corte no discurso, é amputá-lo de qualquer censura, pelo menos virtualmente. O ato analítico é liberar a associação, isto é, a palavra, liberá-la do que a limita, para que ela se desenvolva numa rota livre”.
MILLER, J.A. Perspectivas do seminário 5 de Lacan. As formações do inconsciente. Tradução: FUENTES, M.J. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p.94.
“O supereu indevidamente chamado feminino, quando na teoria aparece como materno, é uma referência à obra de Melanie Klein; um supereu muito mais arcaico que o supereu pós-edipiano freudiano, o do declínio do complexo de Édipo. Melanie Klein, ao contrário, mostra que na primeira infância há um supereu feroz já constituído a partir da mãe, que Lacan reproduz em seu grafo, vinculando o supereu ao Outro primordial da demanda. No estado final do grafo, depois desse Seminário, colocará o supereu nesse pequeno setor terminal, mais além do Outro. Na página 512 pode-se ler:
Na observação … diz-se, não muito bem por que, “supereu feminino “, embora ele seja comumente considerado o supereu materno em todos os outros textos do mesmo registro – anomalia imputável, sem dúvida, ao tema da inveja do pênis que concerne à mulher como tal. O supereu materno, arcaico, aquele a que estão ligados os efeitos do supereu primordial de que fala Melanie Klein, está ligado ao Outro primário como suporte das primeiras demandas, das demandas emergentes – eu quase diria inocentes – do sujeito, no nível das primeiras articulações balbuciantes de sua necessidade, e daquelas primeiras frustrações …
Trata-se de um nível em que a demanda do Outro está separada da demanda ainda sem a complexidade dada pelo desejo – uma localização do supereu que, em Lacan, permanecerá constante antes que ele desenvolva de modo mais sofisticado a conexão entre o supereu e o gozo”.
MILLER, J.-A. – Introducción a la clínica lacaniana – conferencias en España, Barcelona: ed. Gredos, 2006. Ed. digital: RBA Libros, S.A., 2018, www.rbalibros.com , p.395-396.
“El secreto de la imagen, el secreto del campo visual, es la castración”.
MILLER, J.-A.: Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. La fuga del sentido – tradução fe Silvia Naldimi e estabelecimento por Silvia Elena Tendlarz. 1a.ed., Buenos Aires Paidós, 2012, p.368-369.
“El final del capítulo IV de “El chiste … ” es verdaderamente un combate, tal como Freud lo presenta, entre el Witz pulsional y el superyó. Freud se plantea la pregunta: ¿Cómo, por qué medio, por qué método, por qué sesgo, el Witz pulsional prevalece sobre el superyó? Yo digo superyó. Freud dice inhibición interior, represión. Me he permitido llamarlo superyó. Digamos que es el superyó en su función de inhibición”.
Referências
FREUD, S. O infamiliar [Das Unheimliche]. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. (Texto original de 1919).
LACAN, J. O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
MILLER, J-A. El ultimísimo Lacan. Buenos Aires: Paidós, 2014.
Notas
* Além de elaborações pessoais, a redação destes Eixos foi realizada a partir de discussões periódicas com Maria José Gontijo, também coordenadora da 27ª Jornada da EBP-MG, e contou com a revisão de Sérgio Laia, diretor da EBP-MG. Esta produção pôde se valer, também, de conversas realizadas com colegas que compõem os três Cartéis que se dedicam a investigar os Eixos rumo à Jornada, especialmente com Ana Lydia Santiago (Eixo 1), Lilany Pacheco (Eixo 2) e de minha participação no Cartel do Eixo 3, composto também por Simone Souto (Mais-Um), Cristiana Pittella, Elisa Alvarenga, Fernando Casula, Maria Wilma Faria e Rodrigo Almeida.
[1] MILLER, J-A. El ultimísimo Lacan. Buenos Aires: Paidós, 2014.
[2] Idem, p. 256. Segundo Miller, essa frase de Lacan se encontra na última lição de “O momento de concluir”, Seminário ainda inédito, proferido por Lacan em 1977-1978.
[3] Idem, p. 258.
[4] Idem , p. 247-259.
[5] Idem, p. 184.
[6] FREUD, S. O infamiliar [Das Unheimliche]. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. (Texto original de 1919).
[7] Idem, p. 275-276.
[8] MILLER, J-A. Idem. p. 212.
[9] Idem, p. 273.