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“A normalidade da vida sexual só é assegurada pela convergência das duas correntes dirigidas ao objeto sexual e à meta sexual: a de ternura e a sensual. A primeira destas comporta em si o que resta da primitiva eflorescência infantil da sexualidade. É como a travessia de um túnel perfurado desde ambas extremidades” (Freud, 1905. p.196 )
Em “Transformações da puberdade”, de 1905, Freud nos orienta do que se trata na puberdade: atravessar um túnel originado pela emergência da pulsão no corpo e que provoca o deslocamento da infância à fase adulta. A convergência da corrente da ternura com a da sensualidade provoca uma série de questões com as quais o sujeito tem que lidar para ir construindo, singularmente, seu lugar no mundo, através desse túnel.
Se na puberdade tudo aquilo que era da infância passa a ser questionado e isso perturba um sentido estabelecido, é porque, na puberdade, o real do sexo faz o sujeito confrontar-se com o impossível da existência de uma proporcionalidade entre os sexos, com a inexistência da relação sexual. Atravessar tal túnel significa atravessar o mistério de, por exemplo, por que os sexos se atraem e também se desencontram. Diante desse impossível da proporção, cada um deve arranjar sua saída. Dentre as saídas, podemos citar o amor, já que ele é o que permite ao gozo condescender ao desejo, e sempre de forma diferente para cada corpo que, não sem o sexo, é tocado pela ternura presente em certas formas de amor.
Marina Ladeira
Referências:
FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade: transformações da puberdade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996.Lacan, J. (1972-1973/2008). O Seminário, livro 20: Mais, ainda. Jorge Zahar.
Lacan ([1962–1963]/2005) O seminário: Livro. 10. A angústia (J.-A. Miller, Ed., & V. Ribeiro, Trad.). Zahar.
Em frente à cidade alemã de Breisach am Rhein, ergue-se até o outro lado do Rin: Neuf Brisach, ( Nova Brisach, a cidade fortaleza) Patrimônio Mundial da UNESCO devido à sua importância na arquitetura militar do século XVII.
“ […] Como se sabe na neurose obsessiva justamente pelo fato, muito conhecido por nós, de sua estrutura ser particularmente destinada a camuflar, deslocar, negar, dividir e atenuar a intenção agressiva e isso segundo uma decomposição defensiva tão comparável, em seus princípios, à ilustrada pela trincheira e pela chicana, que ouvimos de nossos pacientes servirem-se, a respeito deles mesmos, de uma referência metafórica a “fortificações ao estilo de Vauban’.” (Lacan,1948, p. 111)
O neurótico obsessivo se defende do quê? Defende-se do risco do desejo. Uma das marcas do desejo é o risco a que ele convoca quem dele não cede. O neurótico, porém, busca a proteção frente à ameaça da insegurança. Com suas defesas, o neurótico isola-se, evita o contingente e até amortece sua atividade. No Seminário 11, Lacan (1973) trata da divisão do sujeito – entre consciente e inconsciente – como um muro, uma barreira entre o que integra o sujeito e aquilo que lhe escapa. Onde há um muro, para qualquer sujeito neurótico, o obsessivo constrói uma fortificação. Tal como nas “fortificações ao estilo de Vauban”, as defesas obsessivas se fazem como um labirinto de muros. Frente ao desejo do Outro, é nesse labirinto que o obsessivo muitas vezes se enreda e, ao percorrê-lo, mesmo quando se sente protegido, também se perde na tentativa de reduzir esse desejo às demandas que se arvora a cumprir ou a recusar obstinadamente, inaugurando, assim, uma forma de fazer desaparecer o próprio desejo na impossibilidade de sua realização.
Jacqueline Pereira
Lacan, J. A agressividade em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 1998. (Trabalho original de 1948), pp. 104-126
Jean Ignace Isidore Gérard Grandville (1838-1840)
“O obsessivo é […] como a rã que quer ser tão gorda quanto o boi. Graças a uma fábula, já sabemos os efeitos disso. Sabemos que é particularmente difícil arrancar o obsessivo dessa ascendência do olhar. (Lacan, 1975-1976, p.19)”
Este trecho indica que, no percurso de Lacan, houve um deslocamento em relação à pregnância do obsessivo com o falo para um destaque da fantasia obsessiva quanto ao objeto olhar.
Através da fábula de La Fontaine, no último ensino de Lacan, é demarcada a grande dificuldade de arrancar o obsessivo dessa ascendência (dominância) do olhar pelo apego que ele tem ao orifício. O olhar é situado a partir de um orifício corporal como uma bolha, uma coisa que incha. Afinal, na tentativa de a rã querer ser como um boi, ela vai inchando até estourar. O apego ao orifício, que captura o olhar da rã, faz com que ela se infle, deixando-a enfatuada frente ao que lhe parece tão mais grandioso, mesmo que a conduza à morte – o boi.
Assim, na lógica obsessiva, é através do olhar que o imaginário mostra sua homogeneidade com o real.
Rogéria Gontijo
LACAN, J. O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. (Trabalho original de 1975-76)
Madona Sistina de Rafael Sanzio ( 1512)
“Diante da Madona Sistina deixou-se ficar duas horas, sonhadoramente perdida em silêncio e admiração. Ante a pergunta sobre o que tanto lhe agradara no quadro, não soube dar nenhuma resposta clara. Finalmente, disse: “A Madona” ( Freud,1905, p. 234).
Dora, em uma das associações referentes a um importante sonho de sua análise com Freud, retorna a seu embevecimento diante do quadro pintado por Rafael Sanzio, A Madona Sistina, em Dresden. Diante dessa pintura, ela montou seu teatro singular, “permaneceu duas horas…, em extática admiração”. Quando foi convidada a falar sobre o tempo que passou adorando essa tela, não evocou os arrebatamentos que lhe tomavam o corpo, ou seja, seus mais secretos desejos, ou sua identificação e encantamento pela Sra. K, amante de seu pai e que lhe parecia desvendar o mistério da feminilidade. Ela se limitou a responder nada mais do que “A Madona”. Essa espécie de inibição também insistia quando era convocada a falar sobre seus pensamentos acerca do pai e se queixava: “Não consigo pensar em nada mais”.
Jeannine Narciso ( EBP/AMP)
FREUD, S. Análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”). In: Obras Completas: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) (1901-1903) e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, Vol. 6, 2016, p. 173-320.