Bibliografia

Algumas notas sobre o texto: “Os efeitos de lalíngua nas crianças pequenas” de Angèle Terrier


por Fernanda Costa

Em seu argumento, a autora concentra-se na época da primeira infância quando os seres falantes têm a primeira experiência com a linguagem em que prevalece o gozo com lalíngua. Enquanto somos crianças pequenas, estamos mais sensíveis à maneira com que os outros falam: o corpo da criança é animado pelos significantes que ali ressoam. Tal como Lacan infere no Seminário 20: os efeitos de lalíngua  vão bem mais além do que esse ser falante enuncia, tais efeitos produzem afetos. Desta forma, para Lacan (1985)

 

O inconsciente é o testemunho de um saber, no que em grande parte escapa ao ser falante. Este ser dá oportunidade de perceber até onde vão os efeitos da lalíngua, pelo seguinte, que ele apresenta toda sorte de afetos que restam enigmáticos. Esses afetos são o que resulta da presença de lalíngua no que, de saber, ela articula coisas que vão muito mais longe do que aquilo que o ser falante suporta de saber enunciado.

A linguagem, sem dúvida, é feita de lalíngua. É uma elucubração de saber sobre lalíngua. Mas o inconsciente é um saber, um saber fazer com lalíngua“ (Lacan: p. 190).

 

Assim, “a relação do sujeito com a linguagem se constitui com esses acontecimentos corporais que deixam uma marca singular” (Terrier: 2018, 84).

Além do Seminário 20, uma outra passagem lacaniana citada pela autora que vale destacar é o Posfácio do Seminário 11. Neste, Lacan (1998) menciona que, ao aprender a ler e a escrever, a criança se retira da língua materna alienando-se no alfabeto. Isso muda a relação do sujeito com a linguagem. Enfrentar a arbitrariedade de cortar palavras e aprender a sintaxe afeta o corpo de uma nova maneira. Terrier (2018) refere-se ao seguinte trecho:

Eu contudo, visto a quem falo, tenho que tirar dessas cabeças o que elas creem manter do tempo de escola, dita sem dúvida maternal pelo que nela se possui até à desmaternalização: ou seja, que se aprende a ler ao se alfabetizar…Já não seria nada mal que ler-se entendesse como convém, quando se tem o dever de interpretar.. a função do escrito (é) a via mesma da estrada de ferro. E o objeto (a), tal como o escrevo, ele é o trilho por onde chega ao mais-gozar o de que se habita, mesmo se abriga a demanda de interpretar. (Lacan, 1998: 264)

 

A autora comenta esse trecho a partir do testemunho de passe de Sonia Chiriaco (2004). Neste, Terrier (2018) localiza com clareza o momento da socialização alfabética da língua própria de Chiriaco, assim como os impasses e saídas desse atravessamento, com os quais a análise pôde contribuir. Desta forma, o caso dessa AE, nos faz perguntar se não seria a interpretação analítica uma possibilidade de cortes e releituras que operam uma separação que, ao contrário de uma alienação, é uma apropriação, um saber fazer com essas marcas deixadas pelos acontecimentos de gozo.

 

Referências Bibliográficas

Lacan, J. “O Seminário: livro 11, os quatro conceitos fundamentais”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

Lacan, Jacques. “O Seminário: livro 20, Mais Ainda”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.

Chiriaco S., “La peur d’être bête”, Revue de la Cause freudienne, no 56, janvier 2004, p. 205.

Terrier, A “Les efets de Lalangue”chez les jeunes enfants  Revue de la Cause freudienne La Cause du désir” , no 100, janvier 2018, p. 84-87.

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