Entrevista com Sérgio de Campos sobre Acontecimento de corpo e final de análise.


Sérgio de Campos (A.E. 2009-2012)

O analista interrompeu a sessão e olhou-me bem fixo nos olhos, pela primeira vez em quinze anos, com o semblante mais maroto do mundo. Sua cabeça arredondada estava incandescente, como o pôr do sol, desses que acontecem no inverno de Belo Horizonte, quando o sol beija a montanha no final do dia[1].

O acontecimento de corpo estabeleceu um divisor de águas em minha vida, entre um antes e um depois. Antes, o sintoma me prendia em um gozo enigmático expresso como uma espécie de debilidade mental. Estava suspenso, com os pés fora do chão, como um espectador distante da vida, imerso em procrastinações, fantasias e devaneios, os quais serviam de mecanismo de proteção, defesa e fuga da realidade. Era como se o tempo tivesse sido congelado em razão da cena traumática. Queria passar desapercebido, desaparecer diante do olhar do Outro. A angústia era minha companheira e a inibição ocorria no plano social e intelectual.

Após a conclusão da análise, paulatinamente comecei a constatar uma estranha precipitação sinthomática. O evento da alucinose da cabeça em brasa do analista ocorrida no ocaso da análise, no fundo, nada mais era do que a projeção da cabeça quente puxada pelos cabelos pelo pai na cena traumática. A partir de então, houve um deslocamento radical da debilidade para uma espécie de loucura. Miller destaca que o fenômeno de corpo quando ganha permanência é designado de acontecimento de corpo e tem o estatuto de sinthoma[2]. A cabeça aérea, fantasiosa, débil e anestesiada se transformou em uma cabeça inquieta, incandescente, desassossegada e fervilhante, promotora de satisfação.

Mergulhei de cabeça na Escola. Durante três anos aconteceram os depoimentos do Passe; em seguida, foram dois anos como integrante do Cartel do Passe; depois vieram a participação no Conselho da EBP e a presidência da EBP. Enfim, há seis anos, de modo dedicado e ininterrupto, abracei o desejo incandescente pelos “Seminários por conta e risco” de onde extraio a enorme satisfação de transmitir a psicanálise.

 

[1]    CAMPOS, S., Passema: testemunhos de um final de análise, 2014, Belo Horizonte: editora Scriptum, p. 30.

[2]    MILLER, J.A. La Conversación In: Embrollos del cuerpo, Buenos Aires: Paidós, 2016, p. 110.

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