Resenha SANTIAGO, Jésus. (2021). Despertar ou fraturar a natureza interpretativa do inconsciente. In: Brochura Jornada de Cartéis. Belo Horizonte: EBP-MG, 2021.


por Virgínia Carvalho

Isaura Pena. Desenho, aguada com nanquim em papel.

O texto apresentado por Jésus Santiago na recente Jornada de Cartéis nos traz uma rica pontuação sobre “a clínica do despertar”, que conversa muito bem com o tema da “interpretação no tempo do falasser” – terceiro eixo da nossa 25ª Jornada.

Para Santiago (2021), a ideia de que “não se desperta jamais”, presente no último ensino de Lacan, indica que “o sujeito está sempre imerso no inconsciente” (p.106). Entretanto, “há algo na prática analítica que coincide com o esforço que vai contra a tendência hipnótica natural de todo discurso que remete ao inconsciente” (p.106). Trata-se da interpretação que se constitui como “uma contranatureza do inconsciente” (p.106). Nesse sentido, “mesmo que se avalie o despertar como um impossível, a interpretação, por sua vez, mira esse despertar” (p.106), o que Santiago (2021) demarca como um paradoxo clínico.

Com Lacan, distingue duas vertentes da interpretação na clínica do despertar: a “selvagem”, que é a que faz o próprio sonho, já que como “sentido incoerente”, ele “fabula para revestir o que se articula nele como enunciação” (p.106) e a “ponderada” [raisonné, em francês]. “Ao substituir a primeira, a segunda faz aparecer a falha que o enunciado denota” (Santiago, 2021, p.106).

A “interpretação ponderada” não visa à eternidade de sentido como faz a decifração. Diferente disso, “a leitura do relato do sonho por parte do analista precisa buscar circunscrever aquilo que, no inconsciente, está para além do sentido, aquilo que viabiliza uma experiência do inconsciente orientada para o real” (p.107).

A “interpretação ponderada” é “uma frase reconstituída, que permite captar a falha em que a enunciação, e não mais o sentido, deixa entrever o que fracassa e vacila no encontro com o real” (p.107). Por essa perspectiva, “o que falha é, também, o desejo que se apreende nesse vazio da significação” (p.107).

Santiago (2021) conclui seu texto com a ideia freudiana de que “o despertar exige o ato analítico que almeja constituir-se como contranatureza, ou seja, fraturar a natureza interpretativa do inconsciente” (p.107). Essa elaboração lança luz à questão indicada no Argumento dessa Jornada sobre “Como operar nessa dupla face da interpretação?”

ABRIR EM PDF